conversa na clareira
como momentos simples podem se transformar em coisas tão significativas
os sorrisos e risadas já davam o tom daquela tarde. em alguns hectares de terra, certo dia, um senhor decidiu erguer um parque aquático, para que grupos de amigos saíssem de longe pra conhecer e aproveitar. era final da tarde, o amarelo alaranjado tomava conta das cercanias. Pedro subia a ladeira para encontrar com o final da viagem. Rauã descia em direção não se sabe pra onde.
- ou, cê tá subindo já?
- porra, tu tava onde? a gente encontrou um lugar maneiríssimo lá pra baixo, tem tipo uma queda d’água minúscula, é geladinha e dá pra molhar as costas.
- tava dando uma volta, só.
- vamos lá, vou te mostrar essa brincadeira.
caminhavam lado a lado, ladeira à baixo. Pedro via diante de seus olhos o amarelo difuso a criar sombra nas grandes árvores que se estendiam por metros e metros acima, tinham formato único e gotejavam a essência de um capítulo isolado na história dos dois amigos. sentiam a nostalgia de estarem imersos num quadro do Monet, a queda d’água lembrava uma grande clareira aquática, um ponto de inflexão que molda o espaço tempo, a luz refletida do sol batia no líquido e se estendia calmamente pelas árvores.
- mano, e como ficou aquele teu caso com a Julia? vocês dois pareciam se dar super bem, davam risada das mesmas coisas e até o jeito que tu olhava pra ela era diferente.
- cara, caso complexo na real esse, tava muito daora, de verdade, a gente tem ficado e saído direto vai fazer 1 ano agora, mas sei lá.
- ihhh, pode contar, abre o jogo.
- tu já se apaixonou por alguém de verdade?
- óbvio que sim, sou um homem apaixonado.
- que papinho furado. então, quando tu se apaixona, tu sabe que tem algo a mais, tu sente que a pessoa faz você se sentir diferente, e tem uma áurea mágica que te atrai pra cada vez mais perto da pessoa, entende?
- aham.
- mas com ela eu não sinto isso, gosto real muito dela, e a conheço o suficiente pra saber disso, mas parece que falta algo, não consigo me ver num domingo de noite assistindo filme com ela no quarto, ou indo pra um rolê junto com ela.
- isso é estranho mesmo, sabe, as pessoas te julgam demais, falam que tu é um babaca, idiota e vazio, mas eu sei que tem muito mais que isso aí dentro, tu tem um carisma único, aquele de mudar os ambientes, tua presença é algo divertido e fantástico, queria eu ter todo esse gingado que tu tem e tirar risadas tão fácil das pessoas.
- eu acho que é porque eu falo o que eu penso, tem muita gente aí que faz de tudo pra agradar todo mundo, mas passam despercebidos, talvez eu marque as pessoas, de um jeito ou de outro, só por ser eu mesmo e não ter medo disso.
- porra, isso é muito foda.
o cheiro daquele dia era de ouro e camomila. os amigos se sentaram na pequena queda d’água, um do lado do outro, molharam suas costas e sentiram-se um só com aquele lugar. o barulho do rio escorrendo, a pedra gelada, o sol morno de fim de tarde, a boa conversa, o movimento gracioso e calmo das árvores, a imensidão da natureza e a pequenez de seus seres, só os dois, mais ninguém.
- sabe, Pedro, é muito louco essas conversas que a gente tem, e eu só consigo ter elas contigo, sobre a vida, desse jeito. pra mim tu é tipo um anjo.
- um anjo?
- é, um anjo que aparece na minha vida nos momentos mais aleatórios, mas que sempre me dá uma direção nova, que me salva, e depois tudo parece mais leve.
Pedro tateou o solo, olhou para Rauã e voltou seus olhos pra frente, sentia uma onda de choque percorrer o corpo inteiro. ele tocou alguém, profundamente, como um anjo.
- que lindo, mano, que bom que eu posso ser isso pra ti.
ficaram mais um pouco conversando sobre faculdade, casos amorosos e questionando as medidas do universo.
- essa águinha batendo nas costas é uma delícia.
- isso aqui é uma terapia, acho que eu precisava vir aqui pelo menos uma vez por mês pra me sentir assim, relaxado.
- papo reto, mas aí, a galera deve estar esperando por nós, já, os guris subiram pro ônibus faz um tempinho, já.
custaram para saírem, mas assim como o tempo passa constantemente e sem hesitar, deixaram o momento para trás. subiram, a visita ao parque teria terminado, seus amigos acabavam de se arrumar pra entrar no ônibus, não haviam perdido nada, mas sentiam que podiam mais.