na meia luz de um dia ameno, ele caminhava pelo parque. muitos se perguntavam por que, outros não davam bola, usava roupas que nunca havia usado antes, e que estavam escondidas nas profundezas de seu armário por anos.
fim de tarde, deus já tinha concedido o descanso ao trabalhador que tanto anseia pelo final da jornada, a grama estava seca, o rio que cruzava o parque, fluia como nunca havia fluido antes, ele achava aquela cena muito confortável e dava vontade de morar ali. sentou-se, estava cansado de tanto caminhar sem encontrar aquilo que tanto procurava, já tinha ido a bares, cafeterias, festas, eventos, encontros, desencontros, natais, páscoas e anos novos, mas ainda não tinha encontrado. ouvia seus pais falarem sobre coisas tão sem graça e tão sem sentido, frequentou a escola por muitos anos, se formou na faculdade, conseguiu seu primeiro emprego, em seu primeiro dia do pagamento, ansiava pela aquela promessa, gastou em um restaurante novo e escondido no seu bairro, comprou roupas novas e mandou consertar o sofá antigo. olhava o rio, parecia tão fácil ser o rio, simplesmente fluir, navegar por longas distâncias, conhecer paisagens novas, sempre encontrar um jeito de seguir seu caminho, ser azul, leve e carregar tanta vida dentro de si. sentia o cheiro do rio, de transformações, de faltas pela seca e derrames por conta da chuva, o cheiro de uma mistura muito grande de tantas coisas que nem sabia dar nome.
ouviu alguns passos em sua direção, e uma pessoa se sentou do seu lado, começou falando:
- tantas pessoas clamam pelo que o rio significa. mudança, passagem, fluidez.
- seria errado eu clamar por ele também?
- tu sabe por que eu estou aqui, né?
era um homem, na idade de contar mais com a velhice que com a juventude, nariz e orelhas grandes, cabelos grisalhos, mas encaracolados, usava um casaco marrom e um chapéu preto que tirou quando sentou, suas roupas cheiravam uma novidade, como se as usasse pela primeira vez em anos.
- eu não faço ideia.
- eu sei o que tu temes, sei o que tu gosta de fazer nos domingos de tarde, sei que tu sempre gostou de ter um nome comum, porque é um motivo de conexão com várias pessoas. sei que tu busca a profundidade que todos os rios do universo podem te oferecer, e que tu sempre vem pra esse parque sozinho quando está triste.
ele, quase que num pulo, bradou assustado:
- calma, quem é você, por que e como tu sabe de tudo isso sobre mim?
- você vai entender, sente-se
muito inseguro, mas estranhamente confortável, ele sentou de volta.
- o que tu tanto buscas, jovem?
- meu senhor, tu me pegou desprevinido agora, hahaha, mas eu acho que acima de tudo procuro paz na minha mente e no meu coração.
- então eu estava certo que temes algo.
- isso é um fato comum, todo mundo teme alguma coisa, alguns mais que outros, mas sempre temos medo de algo.
- se preocupa com o que temes?
- claro, está me incomodando, e eu não sei o que fazer, já pensei tanto sobre isso e tentei tanta coisa diferente, tem coisas que eu entendi, mas não entra na minha mente.
- não confias em ti, então, se confiasse não estaria se preocupando e enchendo sua mente com isso.
- mas e se o problema for comigo? se eu for o errado, ou se eu for o culpado?
- meu jovem, nós vamos passar por isso. esse rio está aí por um motivo, essas roupas que usamos tem um motivo, esse sol tem um motivo, essas nuvens tem um motivo, nada é sem razão nesse mundo.
- mas eu já pensei tanto sobre isso, não consigo achar essa razão, qual é ela?
depois de uma longa e proveitosa risada, ele disse:
- mas me encho de graça olhando pra ti nesse momento! nós não sabemos, isso eu posso te garantir, nunca vamos saber, já tentamos, e muito, procurar, mas tu sabes que a graça é procurar e nunca achar, não é?
- sei sim, mas tem tanta coisa a mais, eu me sinto tão sozinho.
- a nossa solitude é o que nos resta, meu jovem, é nela mesmo que tu vai encontrar a paz que tanto buscas, os afetos que tu corre atrás, os prazeres e os mistérios do universo, que são a coisa mais legal do mundo. esvazie essa mente um pouco, como pode tu esquecer tanta coisa importante assim sobre ti? tu já esteve aqui antes, e vai conseguir achar uma saída, sei que vai.
- que deus lhe ouça, meu senhor, que deus lhe ouça.
- olha pra mim, deixa eu te ver mais uma vez. meu garoto! divirta-se e aproveite, por favor, é isso o que eu mais rogo a ti agora. e lembre-se sempre, pequeno aventureiro, nem todos que vagam estão perdidos.
depois de um curto silêncio, ele se levantou, devolveu o chapéu à cabeça, e continuou a trilhar seu caminho. logo sumiu na paisagem.
ele, depois de tanto pensar, mirava o rio mais uma última vez, já estava escuro, e a luz da lua se juntava nas turvas águas que fluiam sempre. olhou pro céu, olhou pra dentro. sorriu.